Da varanda da minha casa observo o lago rodeado pelo exuberante bosque nativo. A temperatura de dois graus de uma manhã de início de inverno e o sol que desponta tímido dão um espetáculo de beleza à parte fazendo brotar do espelho d’água uma névoa transparente que baila sem parar mesmo sem o mínimo sinal de vento.
Há uma quietude absoluta no sítio. Os milhares de pássaros, répteis e insetos que vivem por aqui desapareceram completamente. Sei que não morreram. Estão escondidos cada um no lugarzinho seguro que prepararam antes da chegada do frio.
As folhas amarelo-avermelhadas começam a despencar, deixando nuas árvores e videiras. As flores já são raras.
Como o inverno é belo!
Mas qual a razão de muitas pessoas não gostarem dessa estação?
Um amigo responde que os pobres não gostam do inverno porque passam frio. Replico que conheço pessoas abastadas que também odeiam esse período.
Se as pessoas carentes não gostam do inverno por causa do frio, o problema delas não seria o inverno, mas a falta de recursos para agasalhar-se. Todavia, o fato de muitos ricos também não gostarem do inverno permite concluir que mesmo agasalhando os pobres, muitos deles continuarão odiando a bela estação.
Há muitos gaúchos que hoje moram no Mato Grosso, Pará e Rondônia. Duas foram as razões que os levaram a deixar aqui parentes, amigos, comunidade, bens e profissões: adquirir riqueza e fugir do frio.
Todos escaparam do inverno pampiano. Mas poucos conseguiram riqueza por lá. Alguns ficaram até mais pobres, pois as consequências dos fenômenos da desertificação e dessalinização das terras fracas da Amazônia provocaram crise no campo e na cidade. Por isso muitas dessas pessoas desejam voltar. Com frio e tudo.
Mas qual o segredo que torna bela e gostosa uma estação sem calor, sem flores, borboletas e pássaros? Por que algumas pessoas, faça frio ou calor, gostam do local onde vivem, e outras não?
Conta uma lenda que quando Deus criou o homem fez também a felicidade, porém a escondeu em um lugar que nem seus anjos sabiam. E estabeleceu que o homem era quem deveria encontrá-la. Depois de procurá-la pelo mundo todo, já desiludido, o homem pede ajuda aos anjos. Em vão. Então anjos e homem cobram de Deus uma pista para encontrar a felicidade, pois o homem, de tanta tristeza, já desanimava da vida.
- Escondi a felicidade dentro do homem – revela o Criador.
Há uma razão em cada elemento da Criação. Se Deus demarcou as estações do ano é porque isso é necessário e bom para nós. No entanto, se não gostamos desta ou daquela estação ou do local onde vivemos, é porque não aprendemos a nos relacionar com a obra da Criação e com nós mesmos. E se isso acontece é provável que também passemos a não gostar de outro clima ou de outro local. Quantos foram para o Norte para fugir do frio, e hoje queixam-se da malária, dos mosquitos... E do calor.
O que falta para o homem é encontrar a felicidade. Que não está numa cidade, no verão, outono ou inverno. Nem no casamento, viagem, trabalho ou dinheiro. Está dentro dele.
Mas para encontrar a felicidade dentro de nós, precisamos primeiro buscar estabelecer uma relação de respeito, igualdade e harmonia com os demais seres do universo, o que nos levará à plena compreensão das leis da natureza, permitindo uma vida livre de dogmas religiosos, que falsamente colocam o homem numa posição de superioridade sobre as outras formas de vida. Basta, para isso, que aceitemos a ideia de que Deus está misturado à natureza, com ela se confundindo, como sustenta o filósofo Baruch Spinoza. E que nós também somos parte da natureza, nada mais do que isso.
E aí passaremos a gostar do calor, da chuva, do sol, das árvores, dos animais, da nossa profissão, da nossa cidade, das outras pessoas. E do inverno.
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)