Se perguntarmos a um médico ou nutricionista de onde vem a sede, dirão que a sensação de falta de água resulta de uma combinação de acontecimentos químicos e neurológicos que estimulam o organismo a emitir certos sinais da necessidade de água. E que, dependendo do tipo de alimentação que ingerimos, a sede se manifesta menos ou mais frequente, menos ou mais intensa. Uma quantidade considerável de sal na comida, por exemplo, provoca sede intensa de forma quase imediata.
Foi certamente observando o sal como fator de manifestação da sede que Jesus Cristo comparou os discípulos com o “sal da terra”. No sermão da montanha o Mestre declara: “bem aventurados os que têm sede de justiça...” (Mt 5.6). Logo depois (v. 13): “Vós sois o sal da terra; se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora para ser pisado pelos homens”.
Do alto de sua incomparável sabedoria, o Mestre sempre ensinou valendo-se de códigos conhecidos pelo povo. Lançando mão do infalível recurso das parábolas, costumava comparar a vida e o reino de Deus a coisas simples que faziam parte da rotina das pessoas. Com o sal não foi diferente. Até mesmo as crianças e pessoas iletradas conheciam muito bem o efeito do sal na alimentação, pois todos consumiam peixe salgado. Em viagens era hábito usar como alimento principal peixe desidratado e defumado, obviamente bem salgado. No tempo de Cristo, naquela região não era comum alguém sair de casa para passar o dia sem levar na sacola alguns peixes secos para comer na estrada. Os peixinhos do milagre da multiplicação com certeza continham muito sal.
Ao referir que os discípulos são o “sal da terra”, o Mestre estava explicando: “vocês são responsáveis pela sede de Deus no mundo. A missão de vocês é provocar sede espiritual nas pessoas. Não pelo que vocês falam, mas pela forma como vocês vivem”. Assim Jesus exortava os discípulos a serem sal de verdade, sal com efeito de sal, deixando claro que de nada vale levar uma vida como sal adulterado, que, além de não conservar o alimento, não provoca sede. Um sal insípido, apenas de aparência, “para nada mais presta senão para se lançar fora para ser pisado”.
Quanta profundidade, quanta seriedade na mensagem que o Mestre passa aos cristãos ao compará-los com o sal! Ele está nos dizendo de forma direta: “olhem ao redor, se há pessoas tristes, desanimadas, sem fé, é porque não sentem sede de Deus. Se no mundo crescem a violência, a criminalidade, a ganância, é porque as pessoas não estão bebendo da fonte da água da vida. Por falta de sede. Porque “o sal da terra” perdeu a capacidade de provocar sede, tornou-se insípido”.
No Brasil é notório o crescimento estrondoso do cristianismo. Mas esse crescimento é mais quantitativo do que qualitativo. Um crescimento que não se presta para transformar o mundo, exatamente porque no terreno espiritual quantidade não conta.
O rei Davi andou com Deus desde sua infância. Tudo o que fez foi dedicado ao reino de Deus. Sua vida foi inteiramente dedicada a Deus. Vivia tão feliz e confiante em Deus, que podia cantar: “o Senhor é meu pastor; nada me faltará” (Sl 23). Mas em tudo o que escreveu, em todas as suas canções e salmos, deixou transparecer uma sede intensa de Deus: “como a corça brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42). Novamente, no Salmo 63: “Ó Deus, a minha alma tem sede de ti. A minha carne te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água”.
Davi era rico, inteligente, artista famoso, bonito, poderoso e saudável. Mas continuava com sede de Deus, pois tudo o que era e o que possuía não matavam a sede de sua alma. Precisamos, como o rei Davi, buscar o dom de sentir sede. Sede de fazer o bem. Sede de ser bom. Sede de mudar o mundo para melhor. Que é a sede de Deus.
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)