Nas grandes guerras sempre foi comum o exército vencedor destruir tudo o que pertence ao inimigo derrotado, até para que a população sobrevivente passe a absorver mais rápido a cultura imposta pelo invasor, inclusive a língua. Isso para facilitar o domínio. Entretanto, quando Roma vence a Grécia e instala o seu império no mundo (a partir do ano 146 antes de Cristo), ocorre algo completamente diferente. Os romanos preservam os registros da cultura grega, levando para Roma o máximo possível, principalmente das fartas bibliotecas de Atenas.
Assim, o vencedor é que foi influenciado pela cultura do vencido. Por isso a Grécia antiga até hoje é reconhecida como o berço da sabedoria e da cultura ocidental moderna.
Por ocasião da invasão romana, a produção literária da Grécia era algo extraordinário. Em quantidade e qualidade. Sobravam poetas, dramaturgos, cientistas da matemática, astronomia, política e principalmente filósofos, dos quais se destacavam Platão, Aristóteles, Sócrates, Parmênides, Diógenes e centenas de outros pensadores de inigualável inteligência.
Só que os filósofos mais influentes haviam criado escolas de pensamentos centradas numa cultura discriminatória, sustentando de forma convincente a normalidade e necessidade de diferenças de classes sociais e até espirituais, além de outras ideias que fundamentavam um regime de escravidão e de castas sociais.
Esses pensadores, como Aristóteles e Platão, forjaram teorias segundo as quais os homens só poderiam alcançar a virtude e o amor através da filosofia, único caminho para uma espécie de purificação da alma. Diziam que o corpo era o estorvo da alma e razão da infelicidade.
Para Aristóteles, o homem só possui algum valor em razão de sua condição de cidadão, isto é, de pertencer a um Estado, de morar dentro da polis (cidade), não podendo o ser humano ser reconhecido em sua individualidade. Ensinava que a dignidade só poderia ser encontrada na relação do homem com a cidade, instituição mais importante que a família. Quem não pudesse participar das decisões políticas não tinha dignidade, pois só nesse processo de integração ativa com a cidade estavam a virtude e a justiça.
No grupo de desafortunados que ficam de fora (os não cidadãos) estavam os escravos, os camponeses, as mulheres, as crianças e os pobres de qualquer origem.
O direito à felicidade e vida digna ficava restrito aos cidadãos livres, divididos em três castas superiores: os guerreiros, os sacerdotes e os magistrados. Acontece que só estes possuíam condições financeiras para viver sem trabalhar, apenas estudando e realizando pesquisas científicas. Às pessoas de castas inferiores, por não terem a alma iluminada, cabia apenas a tarefa de trabalhar no pesado para sustentar as pessoas dignas, virtuosas e iluminadas.
Mas esse sistema de classificação discriminatória das pessoas, longe de ser na época considerado injusto, era visto inclusive pelos discriminados como manifestação natural da vontade de uma divindade, como medida de justiça absoluta. Todos aceitavam que uns nasceram para trabalhar, outros para gozar dos frutos do trabalho alheio; uns nasceram para ser livres, outros, escravos; uns para ensinar, outros para aprender; uns para governar, outros para serem governados.
Pior ainda: se o homem só encontra a purificação da alma pela filosofia, então os que não estudassem estariam condenados a viver impuros (continua em edição posterior).
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
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